Scarlet Moon
Ele já gostava dela há tempos. Daquela vocalista da banda da escola – seu cabelo cor-de-rosa, pele meio clara e olhos verdes.
Mas que patético, pensava ele. Desde quando uma vocalista cobiçada por todos, estaria com um tenista, ruivo e... normal? Esse pensamento pessimista se tornava ainda mais pessimista por causa
daquele segredo.
Daquele que não ousava contar para ninguém.
Hoje, era o último dia de recuperação. O garoto estava lá, junto com a garota. Na mesma sala, como sempre fora. Porém, os ‘amigos-em-comum’ deles não estavam lá. Por isso, passavam longe um do outro, acenando algum ‘Oi’ vez ou outra. Entrementes, ela estava esperando alguém pra ir embora, enquanto ele esperava
ela ir embora.
Ele não tinha sorte: A lua cheia chegava mais rápido hoje, e já começava a sentir seu corpo fraquejando. Ah, que inveja tinha dela. Da sua maneira simples e normal de ser. Que vontade de
tê-la. Ele não tinha escolha a não ser se dirigir para os confins do escuro bosque que rodeava a cidade. Não queria machucar ninguém. Não queria machucá-la. Tinha um resquício de esperança de que um dia isso acabaria. Que seu pesadelo, durante
toda noite de lua cheia, teria um fim.
Saiu correndo, sentindo o efeito dos primeiros raios de lua que atingiam sua pele clara. Pareciam estacas que se cravavam profundamente em sua cicatriz em forma de lua. Sorte a dele que já havia adentrado o bosque.
Sentia-se dolorido. Tentou correr mais, mas suas pernas estavam impossibilitadas de se mover. O jovem garoto caiu no chão com um baque alto. Gritava. Contorcia-se. Não podia chamar por socorro. Nunca pôde chamar ninguém. Todas as vezes, estava sozinho na escuridão. Precisava de alguém que o ajudasse a sair de lá. Mas não, não podia. Machucaria essa pessoa. Sabia disso.
Seus olhos estavam semicerrados de dor, mas pôde ver algo. Um vulto passou correndo por trás de algumas árvores. Quem ou o que quer que seja, estava assustado. Mas parecia procurar por ele. Justamente por ele, e ninguém mais.
Mesmo berrando, caído no chão, sentiu esse ser se aproximar. Não, não, não! Ninguém podia vê-lo assim. Não agora! Tentou falar algo, mas não conseguia. Era impedido pela dor, que o fazia simplesmente gritar. E esses gritos se tornavam mais altos e desesperadores a cada instante. Cada vez mais medonhos. Afinal... a lua cheia estava quase completa.
Com seus olhos ainda meio-fechados, conseguiu ver uma sombra perto de si. Pés. Pés pequenos e delicados. Vestiam um também delicado sapato acobreado, que reconheceu no mesmo instante. Há meses atrás, os tinha deixado anonimamente na frente da casa
dela. Agora, não tinha mais duvidas de quem estava na sua frente.
A lua estava um pouco mais completa do que antes. A dor do garoto aumentava ainda mais e já podia sentir calafrios em todo seu corpo, indicando que a transformação estava próxima. A garota continuou parada a seu lado, imóvel. Parecia olhar para ele.
As dores tornaram-se tão intensas que o menino agarrou a canela da garota, num movimento instintivo. Era como se assim conseguisse conter o perigoso animal em que se tornaria. Esse gesto tão repentino fez a menina se sobressaltar. Apertava mais a perna dela. Tanto, que fez sua perna escorrer sangue. Sangue vermelho... rubro... não podia deixar de se excitar com aquilo. Apertou ainda mais. Estava pouco a pouco perdendo a consciência de seus atos.
A menina gritava de dor. Chorava da mesma. Tentava se desvencilhar do garoto. Se assustava, sentia um enorme medo. Ele a encarava com olhares dilaceradores. A garota podia ver que ele já não era mais
ele. As mãos do garoto começavam a ficar peludas. Pelo branco, um pouco prateado. E ele parara de se contorcer – e de gritar. Se mantinha cônscio, mas não se controlava. O animal já estava o possuindo. Ah, por que justo
ela?
If you want to get out alive, hold on for your life.
Finalmente, a garota se viu livre das mãos que a prendiam. Ela não fugiu, entretanto. Permaneceu parada, encarando o que outrora foi seu amigo. Seu amado. Mas ela nunca contou a ele. E, talvez, não pudesse contar jamais. Parecia que ela estava vendo o fim de sua vida, em sua frente. Mas não, não, não! Não podia deixá-lo sozinho. Não agora!
A criatura parecia ter se transformado por completo. Levantava-se ofegante, soltando ruídos estranhos e dolorosos. Pareciam rasgar sua garganta por dentro. Ela não sabia o que fazer para ajudá-lo no momento. Lágrimas caíam, pequena lamúria.
- George... – dizia, tentando inutilmente acalentar o animal a sua frente. Mas sangrou. Sua mão sangrou apenas ao tocá-lo. Os pelos prateados eram laminados, cortantes.
Chorou mais. Mas não podia desistir! Não agora, que já havia aguentado por tanto tempo. O lobisomem a sua frente, erguia-se. Mostrava ter, no mínimo, uns três metros de altura. Afastava-se. Não com o intuito de ir embora, mas estava intimidada. Sentia muito medo. Sua mão tremia. Sua perna sangrava.
Então, o animal a encarou, e começou lentamente a avançar. “
Acalme-se, Acalme-se!’’ dizia pra si mesma. Dava pequenos passinhos pra trás, até que se encostou em uma árvore. Sentia-se ficar branca de medo, ainda mais pálida. Ele iria devorá-la... sabia disso. E sabia ainda, que não conseguiria fugir. E não adiantava pedir misericórdia para a criatura.
Não demorou muito tempo para a criatura se aproximar da garota de cabelos róseos. Com seus largos e fortes braços, encurralou-a contra a parede, levantando-a até não encostar mais seus pés no chão. Os delicados sapatos acobreados caíram. Ela continuava chorando.
- George... – dizia mais uma vez. Cerrou seus punhos, como se isso a desse mais força. Lembrava-se agora das vezes que haviam se falado. Das poucas vezes. Arrependia-se profundamente por nunca tê-lo dado mais atenção. Por nunca tê-lo ouvido por completo. – Eu... te amo.
A menina levou um choque. Nunca havia falado isso pra ninguém. Era... Embaraçoso. Não sabia como reagir agora. Mas parara de chorar, era como um desabafo. Sentiu-se feliz, mesmo estando prestes a morrer. Como se não bastasse, suas mãos sangravam muito, e seu pé descalço estava molhado em sangue. Dor, muita dor. Sua felicidade parecia masoquismo.
O ser parou por alguns instantes. Não sentiria choque, é claro. Mas sim sua parte consciente, lá no fundo. Mas “instantes” é um momento rápido. Aquilo foi um momento rápido. E não acabaria com um beijo apaixonado ou com vivas, como acontecia com outras pessoas.
Eles eram diferentes. Não daria para exigir algo “normal”. Afinal, não o eram.
A garota sentiu os enormes dentes da criatura se cravarem em seu pescoço. Sentiu uma dor descomunal, como nunca antes havia sentido. Gritou. Sentia seu sangue pulsar para fora de seu pescoço, enquanto a criatura devorava o resto de seu corpo. Sangue não parava de sair. A sensação de ter se quebrado por completo. A dor... Principalmente a dor.
Gritava alto, desesperada. Sua vida inteira passava por sua cabeça como num filme, dissipando. Quebrava. Sumia, desaparecia.... Chorava.
“É o George...”, imaginava, tentando relaxar. Mas não... impossível. Dava mais gritos, longos e desesperadores, que foram se dissolvendo pelo ar. E, num estalar de dedos... o preto. Tudo se apagou. Para sempre.